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Alunos africanos da PUC-Campinas relatam suas experiências de vida no Brasil e na África

Roda de conversa com quatro estudantes abordou aspectos políticos, econômicos e sociais

O Centro de Estudos Africanos e Afro-Brasileiros Dra. Nicéa Quintino Amauro (CEAAB) da PUC-Campinas promoveu na última terça-feira, dia 11 de junho, uma roda de conversa com quatro estudantes originários de três países do continente africano.

Durante o evento, eles relataram variadas experiências vividas, tanto no ambiente acadêmico, quanto na vida cotidiana, e abordaram aspectos políticos, econômicos e sociais de seus países de origem e do Brasil.

De acordo com a coordenadora do Centro e uma das promotoras do encontro, a Profa. Dra. Waleska Miguel Batista, o objetivo da ação é construir um diálogo entre a comunidade acadêmica e os estudantes africanos, a fim de gerar um aprendizado sobre toda a diversidade cultural proveniente da África.

Ela diz ainda que eventos desse tipo dão a toda a comunidade acadêmica a oportunidade de ampliar o seu conhecimento sobre outros países e culturas, tirar o estigma existente, além de perceber como o mundo é diverso e que há possibilidades de integração.

“O Centro de Estudos Africanos e Afro-Brasileiros está aqui para, dentre outras coisas, realizar essa troca de experiências, porque ela é fundamental, por exemplo, para que, no caso dos estudantes africanos, a vivência e a permanência deles aqui no Brasil seja bastante proveitosa”, explica Waleska.

Retrato pejorativo

Entre os participantes esteve o estudante de Economia Tomas Sifuente Bibang Nguema Edeguedegue, natural da Guiné Equatorial, que está no Brasil desde 2020 e cursa o 4º período.

Ele conta que a mídia, em geral, retrata o continente africano de uma maneira bastante pejorativa ao mostrar somente as mazelas locais e não o “que de bom está sendo realizado”. Além disso, ele ressalta que pensamentos pré-concebidos sobre a África ainda estão no imaginário das pessoas ao redor do mundo, incluindo os brasileiros, e que isto é o que mais o incomoda.

“Eu penso que seria importante que as pessoas começassem a estudar mais sobre a África, porque, se você aprende, passa essa informação às pessoas mais novas, que já vão ter uma imagem do continente mais compatível com a realidade”, explica Tomas.

“Eu penso que seria importante que as pessoas começassem a estudar mais sobre a África, porque, se você aprende, passa essa informação às pessoas mais novas, que já vão ter uma imagem do continente mais compatível com a realidade. A Guiné Equatorial, por exemplo, é independente da Espanha desde 1968 e, desde dentão, o nosso Produto Interno Bruto (PIB) per capita cresceu de maneira inimaginável e o país passou por uma grande transformação tecnológica e em termos de infraestrutura também, ou seja, a realidade muda”, aponta Tomas.

Sobre a vinda ao Brasil, ele explica que o seu plano, a princípio, era de estudar na China ou em um outro país africano, como a África do Sul ou o Marrocos, ou, ao menos, ir para alguma outra nação que falasse uma língua diferente da sua, que é o castelhano. Assim, ele chegou ao Brasil, através de um programa do Governo Federal chamado Programa de Estudantes – Convênio de Graduação (PEC-G). Até então, ele era aluno da Universidade Nacional da Guiné Equatorial (UNGE).

Na atualidade, ele diz que, academicamente, a sua vida “está tranquila” e que, no cotidiano, ele já havia adquirido certo conhecimento sobre o Brasil antes de vir para cá, e acrescenta que aquilo que mais o preocupou, a princípio, era a existência de um possível preconceito por parte dos brasileiros, algo que “infelizmente, acontece na sociedade”. Porém, ele ressalta que, até agora, a convivência tem sido “bastante pacífica”.

“Eu me chateio ainda com a imagem que os meios de comunicação dão à África e que atingem a sociedade, pois só se fala de fome, doenças, de um povo sem cultura”, diz Eguitainy.

Outro dos participantes é o estudante do 8º semestre de Pedagogia, Eguitainy Joaquim Gomes da Silva, natural da Guiné-Bissau. Ele chegou ao Brasil em 2019, também através do PEC-G, e comenta que, academicamente, tem aprendido bastante, mas que, no cotidiano, ainda se chateia com os estereótipos referentes à África contidos na mídia e na sociedade, tanto sobre a pobreza, quanto sobre o suposto primitivismo da população do continente.

“Eu me chateio ainda com a imagem que os meios de comunicação dão à África e que atingem a sociedade, pois só se fala de fome, doenças, de um povo sem cultura. Quer dizer, eu vi muito pouca cobertura sobre a Copa Africana de Nações, por exemplo, mas se há um golpe de estado, ele logo ganha manchete e isso é muito difícil, pois gera o desrespeito nas pessoas e elas usam isso pra te colocarem pra baixo”.

Importância de compartilhar

Abubacar Banorá, estudante do 1º período de Pedagogia, também é natural da Guiné-Bissau e, assim como Tomas e Eguitainy, chegou ao Brasil através do PEC-G.

Abubacar comenta que é muito importante ter espaços como o Centro Afro para que as pessoas possam ouvir “a nossa visão sobre o nosso continente (africano), sobre o Brasil e sobre o que precisa ser melhorado aqui na Universidade”.

Segundo ele, eventos como a roda de conversa são importantes para que os estudantes africanos possam falar sobre as suas experiências no Brasil e em sua terra natal e compartilhar, com os outros estudantes africanos e os brasileiros também, “a nossa visão sobre o nosso continente (africano), sobre o Brasil e sobre o que precisa ser melhorado aqui na Universidade. Por isso é muito importante ter esse espaço de diálogo”.

Sobre a sua estada no Brasil, ele esclarece que um colega angolano, também estudante universitário, o ajudou bastante na questão da adaptação, na procura de um lugar para morar e em outras questões pertinentes, como conseguir toda a documentação necessária e afins. “Foi um processo meio chato no início, mas depois eu fui aprendendo. Esse meu colega, que já havia passado por toda essa burocracia, me ajudou bastante. Foi legal, porque é assim, com auxílio, que se vai aprendendo sobre o que é necessário se conseguir ou não”.

Impacto cultural

Jéssea Maiza Lopes Paulo, por sua vez, veio de Angola. Ela, que cursa o 3º semestre de Administração, tem uma história um pouco diferente dos outros três alunos, pois veio para o Brasil há treze anos, em virtude de uma mudança de trabalho do pai. Apesar de ter chegado ainda criança no Brasil, com sete anos de idade, disse que o impacto referente à questão cultural e comportamental foi muito grande.

Jéssea diz que as suas maiores dificuldades foram relativas à linguagem, pois, “apesar de em ambos os países a maioria das pessoas falarem o português, as diferenças entre os dois dialetos acabam por atrapalhar um pouco a conversação”.

“A princípio, a adaptação foi um pouco difícil, porém, como eu era criança, ela foi mais tranquila do que eu imagino que seja para um adulto. As minhas dificuldades foram mais relativas à linguagem, pois, apesar de em ambos os países a maioria das pessoas falarem o português, as diferenças entre os dois dialetos acabam por atrapalhar um pouco a conversação. No mais, foi tudo bem”.

Celebrando a solidariedade

Em 25 de maio é celebrado o Dia da África. A data, que comemora a criação da Organização da Unidade Africana (hoje conhecida como União Africana), em 1963, é lembrada em todo o mundo, incluindo o Brasil.

A roda de conversa com os estudantes africanos fez parte da exaltação à data, que chega a abarcar toda a semana, e também é conhecida como “Dia (ou Semana) de Solidariedade aos Povos Africanos”, porém, segundo a professora Valeska, o encontro com os alunos foi colocado para ser concebido mais adiante, em virtude da realização de uma série de outros eventos que também buscaram celebrar a data e “relembrar a importância da ancestralidade e dos saberes dos povos africanos, que tanto contribuíram para a formação da sociedade brasileira”.

A presidente da Associação dos Religiosos de Matriz Africana de Campinas e Região (Armac), Comendadora Edna Almeida Lourenço, esclarece que rodas de conversa como essa fazem com que os estudantes africanos possam falar de suas experiências em seu país de origem e, também, da nova experiência que estão vivendo no Brasil.

Ela explica ainda que eventos dessa ordem, que remetem à Semana de Solidariedade aos Povos Africanos, buscam “enraizar laços e construir caminhos que fortalecem a nossa ação e potencializam a força desse povo. Nós temos que tornar isso (o CEAAB) um ponto de discussão dentro da Universidade, em especial, porque nós temos representantes de vários países aqui e temos que fazer com que eles tenham orgulho de saber que nós somos seus parceiros e que entendemos a contribuição que foi dada pela ancestralidade deles”.

A Comendadora encerra explicando que “é desse modo que qualquer pessoa pode ajudar a construir um país e é uma riqueza que a gente tenha esses alunos por aqui (estudando na PUC-Campinas) para realizar essa troca, que é o mais importante de tudo”.



Daniel Bertagnoli
14 de junho de 2024