Professor da PUC-Campinas escala altas montanhas no Quirguistão como parte de pesquisa
A ideia da expedição foi estudar os aspectos fisiológicos envolvidos na prática dessa atividade
O Prof. Dr. István Dobransky, da Faculdade de Educação Física da PUC-Campinas, escalou, entre os últimos dias 15 e 28 de julho, três montanhas no Quirguistão, na Ásia Central: a Yukhin, com 5.130 metros de altitude; a Razdelnaya, com 6.148 metros de altitude, e a Lênin (também conhecida como Ibn Sina ou Avicena), com 7.134 metros de altitude. Todas elas situadas na Cordilheira Trans-Alay.
O intuito da atividade foi, além de conhecer melhor as técnicas referentes à escalada, de saber mais sobre os aspectos fisiológicos, em especial, psicológicos e mentais, relacionados ao desafio da prática do montanhismo de alta altitude, que é aquele realizado em formações rochosas com mais de três mil metros de altitude.
O professor explica que, além de possuir vários cursos na área, como os de escalada básica, de corda, de alto resgate, no gelo e afins, participa de expedições do gênero há vários anos, mas que elas só acontecem no exterior, em virtude de o Brasil não possuir picos de alta altitude.
“Eu tenho participado dessas expedições junto a uma empresa chamada Grade 6, pertencente a Carlos Santalena, ex-aluno da Faculdade de Educação Física da PUC-Campinas, que é especializada na realização de viagens desse tipo para fora do país, em todos os continentes, incluindo a Antártica, e em cada uma delas sempre há um desgaste muito grande e as pessoas que procuram realizar esse tipo de atividade, em geral, são aquelas que buscam por autorrealização e por um desafio pessoal muito grande e, para isso, é preciso ter um ótimo preparo físico e uma preparação mental ainda melhor”, comenta István.
Segundo o professor, são três os fatores para que seja possível subir uma montanha de maneira adequada: o primeiro é o bom condicionamento físico da pessoa; o segundo é o nível técnico que ela exige daquele que tentará a subida, tanto física quanto psicologicamente; e o terceiro é o clima, que pode mudar diariamente e que, em geral, é checado a cada doze horas, a fim de ser possível averiguar se as condições estão favoráveis para a realização da escalada.
Antes do planejado
A expedição teve início no dia 15 de julho e o ataque ao cume estava planejado para ocorrer entre os dias 29 e 31 do mesmo mês, mas foi antecipado para o dia 28 em virtude de uma mudança de clima, o que, segundo o montanhista, foi muito desafiador e desgastante, porque todos aqueles que pretendem subir uma montanha precisam passar por um processo de aclimatação antes de realizarem as subidas, para que seus corpos possam se adaptar à dispersão de oxigênio e outras condições inerentes ao esporte.
“Nós sofremos diversos tipos de estímulos durante a escalada, desde o acampamento base até o topo, passando por três campos avançados pelo caminho, conforme a altitude vai ficando cada vez mais alta, ou seja, a gente avança para um acampamento, volta para o anterior e retorna para o posterior, para que a gente possa se acostumar à determinada altitude, e isso é muito desgastante, não tanto pela distância, mas mais pela altitude mesmo e pelo nível de inclinação que a gente encontra, chegando a até 75 graus no gelo, então, é preciso dar três, quatro passos, parar, respirar e voltar a caminhar, tudo isso com quatro, cinco quilos de alimentação, água e materiais diversos sendo carregados nas costas, e com quase trinta graus abaixo de zero de temperatura no dia do ataque ao cume. Por isso, também, existe a necessidade do uso de roupas, botas triplas com crampon (um dispositivo de tração acoplado ao calçado para melhorar a mobilidade na neve e no gelo durante uma escalada) e óculos especiais que servem para filtrar a ‘iluminação’ que vem da neve, a fim de evitar algum tipo de cegueira, ainda que temporária”, explica o professor.
Sobre o tempo de caminhada, ele lembra que, em relação ao mais alto dos picos conquistados, o Lênin (também conhecido como Ibn Sina ou Avicena), de 7.134 metros de altitude, do último dos campos avançados, que era o terceiro, até o cume, o total foi de cerca de doze horas, acordando às 00h30 e saindo para caminhada às 2h. A descida, por sua vez, durou seis horas e foi iniciada às 14h15.
A saída, em meio à escuridão e o frio intenso, foi, segundo István, “bastante desgastante, física e mentalmente, porque eu já estava dando alguns passos e tendo de parar por alguns momentos, pois, depois de tantos dias em alta altitude, fazendo tanto esforço físico, sentimos muito cansaço acumulado. Só no último dia de escalada, em doze horas, nós cobrimos cerca de mil metros de altitude, então, é algo muito desgastante, que precisa de muita concentração e onde é necessário suportar o cansaço, que é constante. Levei cerca de dez dias para que o meu corpo se recuperasse completamente”.
Por que o Quirguistão?
De acordo com o professor, a ideia de ir para o Quirguistão surgiu pelo fato de que as montanhas do país são bastante altas, mas pouco conhecidas ou exploradas pelos brasileiros em relação às de outros lugares do mundo. Ele lembra que as quatorze maiores montanhas do planeta, todas com mais de oito mil metros de altitude, estão na Cordilheira do Himalaia, entre a China e diversos países do Subcontinente Indiano, e que há uma dificuldade em aumentar a escalada de montanhas de seis para sete mil metros de altitude, pois o número delas é menor, e partir para o Himalaia pressupõe aumentar a subida em cerca de dois mil metros de altitude, o que é bastante custoso, física e mentalmente. Foi daí que surgiu a ideia de ir para o Quirguistão.
“Mas, antes de tudo, foi preciso se aclimatar, então resolvemos, primeiramente, subir uma montanha de 5.130 metros de altitude, a Yukhin, e, depois, uma de 6.148 metros de altitude, a Razdelnaya, para, por fim, subirmos a Lênin, de 7.134 metros de altitude, na fronteira com o Tadjiquistão, que é a maior de todas”, elucida o montanhista.
O povo e a cultura local
O contato com o povo e a cultura local foi um dos pontos mais interessantes da viagem, segundo István. Ele explica que, apesar de a população local ser muito acessível, houve certa dificuldade na comunicação em virtude de não haver ninguém na equipe de escaladores com fluência em quirguiz ou russo, as línguas oficiais do Quirguistão, que são escritas em outro alfabeto, o cirílico.
“Falar inglês no Quirguistão é difícil, então, em muitos casos, a gente usava um tradutor nos nossos celulares, mas, nas montanhas, o acesso era precário ou inexistente, exceto para quem possuía conexão via satélite ou por rádio, algo que apenas um dos membros do nosso grupo possuía. Além disso, o Quirguistão é um país que possui uma grande população nômade, assim como acontece em toda a Ásia Central, o que é uma parte muito forte da identidade de um país que recebeu, historicamente, gente do mundo todo, indo e vindo do Ocidente e do Oriente pela Rota da Seda”, explica o professor.
A maior parte da população do país, cerca de 90%, é muçulmana, existindo ainda uma minoria cristã e de fiéis de outras religiões. István diz que, durante a viagem, notou que o consumo de bebidas alcoólicas é ínfimo e o que mais se encontra são pessoas bebendo chá, que, segundo ele, “é uma delícia”. Além disso, o montanhista esclarece que visitar um país como o Quirguistão é bastante interessante por quebrar a questão do preconceito que existe no Ocidente em relação aos muçulmanos, “pois eles são bastante acessíveis, conversam muito com a gente e não acham nada ruim, mas é claro que é preciso respeitar a sua religião e os seus costumes, tradições e regras. Isso nos demonstra que é preciso irmos para além da educação eurocentrada com a qual estamos acostumados”. Ele diz que também passou pelo Cazaquistão, país que faz fronteira com o Quirguistão, e, em ambos, notou como o passado soviético em comum se tornou um tabu entre a população.
“O povo não fala muito sobre isso e existem poucos locais, como museus, que trazem essa história à tona. Astana, a capital do Cazaquistão, por exemplo, foi construída após o fim da União Soviética e não apresenta praticamente nada que remeta a esse passado. Outra coisa que me chamou muito a atenção nessa região do mundo foi o número de crianças em relação à população como um todo. O Cazaquistão conta com cerca de vinte milhões de habitantes e o Quirguistão com cerca de sete milhões, e o número de crianças abaixo de dez anos é de cerca de um quarto da população de cada país. Praticamente todo mundo tem, ao menos, dois ou três filhos. É uma situação bem diferente da do Brasil e de outros países pelo mundo afora”, ressalta István.
Entrosamento na altitude
Apesar da calorosa recepção dos povos quirguiz e cazaque, ao se encontrar tão longe de casa e praticando tão extenuante atividade como o montanhismo, o professor explica que algo extremamente importante, em especial, na hora de realizar a subida de uma montanha de grande altitude é ter entrosamento com o grupo com o qual isso será feito. O escalador explica que nunca encontrou alguém com problemas de relacionamento em quaisquer de suas viagens e que o companheirismo é algo essencial para que tudo aconteça do melhor modo possível, “porque o ar é rarefeito, o esforço físico é muito grande e o mental também. Então, todo mundo acaba se ajudando e há uma muita troca de experiências e de conhecimento. Às vezes, tem um que fica mais para trás, o outro vai um pouco mais adiante, mas todo mundo está sempre querendo saber como o outro está se sentindo e, durante as paradas para descanso, a gente vai trocando experiências de vida e de montanhismo”.
Durante a viagem, István disse ter encontrado muita gente do mundo todo, da Espanha, da França, dos Estados Unidos e, em especial, da Índia e do Irã, em geral, nas cidades. Porém, nas montanhas, ele explica que o número de pessoas entre os estrangeiros era mais equilibrado. Em relação aos ajudantes, uma grande parte deles é composta de russos e nepaleses, que, segundo o professor, hoje trabalham com montanhismo em diversos lugares do mundo. “Eles são extremamente solícitos. Colocam a própria vida em risco para te ajudar. Eles trabalham aqui em uma época do ano e depois voltam para seus países de origem para trabalharem lá nos meses restantes”, comenta.
O professor diz que é por isso que ele sempre dá gorjeta aos ajudantes, “porque todas as vezes que eu estou em uma expedição, o que geralmente acontece em lugares mais pobres do globo, eu percebo que isso ajuda a comunidade e é preciso criar uma relação de confiança com os ajudantes, porque a vida da gente está nas mãos dessas pessoas”.
Ele lembra que “dessa vez mesmo, subindo o Pico Lênin, nós encontramos um corpo de um escalador iraniano que havia morrido no dia anterior. Pelo que soubemos, ele havia atingido o cume e, ao descer, passou mal e acabou falecendo. Eu passei a cerca de trinta centímetros de seu corpo. O que eu quero ressaltar é que é mais do que necessário que um montanhista escolha adequadamente o seu ajudante e analise se todas as condições de segurança e saúde estão sendo atendidas na hora de realizar uma subida, porque, se você não fizer os cálculos corretos, não souber respeitar o seu corpo e o seu guia não conseguir avaliar a condição em que você se encontra em um determinado momento, isso pode ser determinante para que você viva ou morra ao praticar esse esporte”.
István ressalva ainda que escolheu o ex-aluno Carlos Santalena como guia para essa expedição porque, “além de possuir larga experiência e competência em montanhas de alta altitude em todo o planeta, ele também não abre mão da segurança e avalia minuciosamente cada montanhista, o clima do local e a montanha que será subida”. Em relação aos resultados da pesquisa, ele encerra dizendo que estes ainda serão analisados e deverão ser publicados até o final deste ano.