Não há como pensar-se em um Estado Democrático de Direito, sem exigir-se que as decisões judiciais sejam suficientemente claras e devidamente fundamentadas, capazes de evidenciarem ao seu destinatário a razão de se ter chegado à respectiva conclusão.
Apesar de constar referida exigência do art. 93, IX, da Constituição Federal, não é incomum verificarmos, no dia a dia forense, decisões que não permitem a sua compreensão.
Em razão dessa constatação, o legislador do Novo Código de Processo Civil procurou explicitar quais são as condições necessárias para a efetiva validade das decisões judiciais, o que pode ser considerado um avanço, porém, ao mesmo tempo gera certo grau de preocupação.
As decisões judiciais decorrem do conjunto dos fatos postos na petição inicial pelo autor e das respostas oferecidas pelo réu, principalmente através da contestação, como também das provas produzidas dentro dos autos, e tem por finalidade encerrar o debate, pondo fim ao litígio, definindo qual das partes é a titular do direito controvertido.
A lei processual já exigia que para ser válida, a sentença deve estar estruturada em três partes, sendo que na primeira parte o juiz deve fazer um relatório das principais ocorrências contidas dentro do processo, em seguida deve fundamentar ou motivar um ou mais convencimentos, em verdadeira dialética com os argumentos e fundamentações postas pelas partes em suas manifestações e, como uma decorrência lógica-jurídica, chegar a uma ou mais conclusões, contidas na parte dispositiva da sentença, encerrando o debate travado nos autos.
O objetivo principal da decisão judicial é fazer Justiça, o que pode ser considerado atingido quando o desfecho alcançado pelo juiz é correto, sob o aspecto técnico, e justo, sob o aspecto de ter evidenciado que a solução encontra-se em consonância com os anseios da sociedade, diante do que efetivamente ocorreu com relação aos atos e fatos da vida de todos nós, levando-se em conta o nosso dia a dia.
Porém, o desfecho somente será considerado correto e justo se for possibilitado aos advogados, às partes e a qualquer pessoa, a compreensão a respeito das razões e fundamentações que levaram o juiz àquele resultado.
A obrigatoriedade da motivação das decisões judiciais é uma tradição do direito, tanto assim que já constava das Ordenações Filipinas (Livro III, Título LXVI, nº 70), no Regulamento 737, de 1850 (artigo 232), do CPC de 1939 (art. 118, p. único), no CPC de 1973 (art. 458, II, 165 e 131) e, apesar disso não deixou de ser comum a constatação de falta ou de deficiente fundamentação de muitas decisões, razão pela qual o Novo CPC aprofundou e detalhou critérios que devem ser observados pelos magistrados em suas decisões.
Agora, ao invés de positivar o que deve conter a decisão judicial, sob o aspecto estrutural, partiu-se para o ângulo da negação, dizendo o legislador, nos artigos 489 e 927, do novo CPC, quais as hipóteses que tipificarão as decisões como não fundamentadas, deixando explicito que o juiz não mais poderá apenas indicar, reproduzir ou parafrasear ato normativo sem correlaciona-lo com a causa ou a questão decidida; não poderá utilizar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicitar o motivo concreto de sua incidência; não deverá invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; não poderá deixar de enfrentar todos os argumentos capazes de infirmar a conclusão adotada; e, não poderá se valer ou não de invocação de precedente ou enunciado de súmula sem identificar seus fundamentos e nem demonstrar a subsunção do caso à hipótese invocada.
A legitimação do Poder Judiciário se evidencia quando a decisão judicial convence a sociedade, e para que isso aconteça os interessados devem tomar pleno conhecimento de seus fundamentos. Não há como se admitir em um Estado Constitucional atividades públicas que se vejam dispensadas de motivação, que não se encontrem em efetiva dialética com os jurisdicionados na formação das decisões.
Existe uma preocupação, é certo, no sentido de que muitos se utilizarão do novo instrumento visando anular as decisões judiciais, com argumentos apegados mais à forma do que ao conteúdo, propriamente dito, todavia, referida preocupação não pode prejudicar o acerto da mudança legislativa, mormente quando o objetivo evidenciado é fazer com que o julgador deixe claro que analisou e julgou o caso concreto contido nos autos, e que lhe foi submetido à apreciação, e não outro, hipotético, que somente ele conseguiu extrair da realidade dos autos.
Prof. Dr. Luis Arlindo Feriani
Doutor em Direito Processual Civil pela PUC-SP, Professor Titular de Direito Processual Civil da PUC-Campinas