Médicos veterinários da PUC-Campinas realizam procedimento em animal do Bosque dos Jequitibás
Parceria com Faculdade de Medicina Veterinária viabiliza tratamento da irara, animal com problemas de locomoção, utilizando técnicas de medicina veterinária regenerativa
Jade é uma simpática irara que chegou ao Zoológico do Bosque dos Jequitibás, da Prefeitura de Campinas, em 2011. A irara é um animal da família dos mustelídeos, parente dos furões. Dócil e muito ativa, em 2018, ela começou a apresentar diminuição dos movimentos dos membros traseiros (paresia). Desde então, Jade foi submetida a vários tratamentos à base de medicamentos e sessões de acupuntura, mas não houve melhora no quadro. Agora, por meio de uma parceria com a Faculdade de Medicina Veterinária da PUC-Campinas, Jade foi submetida a aplicações de células-tronco no Hospital Veterinário da PUC. O procedimento, inédito em uma irara, utiliza técnicas da medicina regenerativa, que consiste em substituir ou regenerar células, tecidos ou órgãos com o objetivo de restaurar ou estabelecer a função normal. Assim como na medicina humana, a medicina veterinária regenerativa amplia as possibilidades terapêuticas, especialmente no caso de doenças crônicas, como a da pequena Jade.
Para o diretor da Faculdade de Medicina Veterinária da PUC-Campinas, João Flávio Panattoni Martins, a parceria entre a PUC e a Prefeitura é benéfica para todos. “Ganha a cidade de Campinas, o corpo técnico do Zoológico e os animais lá alojados, por terem o apoio da Faculdade de Medicina Veterinária da PUC-Campinas através de nossos professores especialistas, equipamentos e infraestrutura de primeira linha”, afirmou Martins. Ainda segundo ele, alunos e docentes da universidade têm a oportunidade de vivenciarem diversos cenários de aprendizagem enriquecedores, viabilizando experiências marcantes na trajetória de formação dos novos profissionais da Medicina Veterinária. “Mais uma vez nossa Pontifícia Universidade Católica de Campinas se mostra alinhada com a sua missão e o compromisso de oferecer formação integral e de alta qualidade”, complementou.
De acordo com a professora do curso de Veterinária da PUC-Campinas, Michele de Andrade Barros, a medicina veterinária regenerativa vem ganhando muito espaço na terapêutica veterinária. “À medida que os animais domésticos convivem mais com as famílias dentro de casa e recebem mais cuidados, eles vivem mais e, assim como as pessoas, podem ser acometidos por doenças crônicas próprias da fase senil, como, por exemplo, osteoartrose e ceratoconjuntivite seca (deficiência de produção de lágrimas). São doenças que, em uma abordagem terapêutica convencional, exigem tratamentos longos à base de medicamentos, com efeitos colaterais e que acabam comprometendo a qualidade de vida do animal”, explicou Michele. A médica veterinária tem uma longa experiência na área de medicina veterinária regenerativa, especialmente no tratamento de sequela neurológica de cinomose, doença infecciosa causada por um vírus muito comum em cães. “Por conta da severidade das sequelas e do comprometimento da qualidade de vida do animal, muitas vezes os tutores optam pela eutanásia. Temos obtido bons resultados com a aplicação de células-tronco nestes casos”, contou Michele que também é sócia-fundadora da empresa Regenera Stem Cells.
A hipótese diagnóstica que motivou a aplicação de células-tronco foi que os problemas de locomoção de Jade estivessem associados a sequelas neurológicas de cinomose. “Não temos um diagnóstico fechado, porque ela não foi testada para esta doença logo no início dos sintomas, mas, mesmo assim, acreditamos que a aplicação de células-tronco poderá ajudar a reverter o quadro”, disse Michele. Serão aplicadas células-tronco mesenquimais (retiradas da medula óssea) fornecidas gratuitamente pela empresa da qual Michele é sócia. “Como a irara pertence a uma subfamília dos Canídeos (que engloba cães, lobos, chacais, coiotes e raposas), utilizamos células de cães. Assim, o sistema imune na irara não reconhece estas células como estranhas e, portanto, elas não serão rejeitadas”, explicou Michele. No entanto, o fato de Jade já ter há um tempo longo esta sequela pode comprometer o prognóstico.
As iraras (o nome científico é Eira barbara) podem atingir até 71 centímetros, isso sem incluir a longa cauda, utilizada para se equilibrar quando estão escalando árvores nas quais elas sobem em busca de frutos e de mel, daí serem também conhecidas como papa-mel. Além de frutos, as iraras caçam roedores e outros pequenos mamíferos, pássaros e lagartos. Elas habitam a maior parte da América do Sul e América Central, ocupando áreas de floresta tropical e subtropical. “Recebemos a Jade por meio de uma permuta com o criadouro de animais silvestres da cidade de Tapiraí, em São Paulo. Ela apresenta bom estado de saúde e se alimenta bem, mas tem esta limitação de movimento. Por conta disso, ela foi colocada em um recinto no setor extra do Bosque, onde recebe cuidados especiais”, contou Douglas Presotto, médico veterinário, responsável técnico do Zoológico do Bosque dos Jequitibás.
O procedimento foi realizado no Hospital Veterinário da PUC como uma aula prática da disciplina de “Clínica médica e cirurgia de animais selvagens”, coordenada pelo professor Paulo Anselmo Nunes Felippe. Oito alunos acompanharam a intervenção. “A perspectiva é de que o procedimento dure aproximadamente duas horas. Trata-se de um tratamento experimental nunca feito antes em iraras”, contou o professor da PUC que vai cuidar do processo de anestesia do animal.
A medicina veterinária regenerativa tem se mostrado uma alternativa promissora para o tratamento de doenças crônicas, especialmente quando não há resposta a intervenções terapêuticas convencionais, à base de medicamentos. Um dos grandes diferenciais é a redução dos efeitos colaterais, que, em geral, acompanham o uso de remédios por longos períodos. “Não se trata de tratamento milagroso, é preciso avaliar caso a caso. Existe um fator individual de resposta. Mas, de uma maneira geral, os resultados são muito bons para várias doenças que acometem os animais mais idosos, com diminuição de dor, melhora clínica e melhor qualidade de vida”, disse Michele. “No caso da Jade, minha expectativa é que, em sendo uma sequela neurológica de cinomose, o procedimento ajude no processo de regeneração de células neuronais e que possa melhorar o quadro dela”, finalizou a médica veterinária.
Por Patricia Mariuzzo