O desafio do ensino remoto para pessoas com deficiência
Respeito às características individuais e rede de apoio colaboram para inclusão e aprendizagem de alunos do curso de Administração da PUC-Campinas
Por Patricia Mariuzzo
Uma das atividades mais impactadas pela pandemia de covid-19 e pelas medidas de isolamento social foi a educação, em todos os níveis. As instituições de ensino superior tiveram que construir estratégias de ensino baseadas no ensino remoto, impondo novos desafios para os alunos e professores. Nesse sentido, os obstáculos para a inclusão de pessoas com deficiência (PCD) foram ampliados. Experiências em duas disciplinas do curso de Administração no segundo semestre de 2020 mostraram que, por meio de uma rede de apoio, acompanhamento diferenciado e respeito às características individuais de alunos com deficiências colaboraram na inclusão e aprendizagem durante a educação à distância.
As professoras do Programa de Pós-Graduação em Sustentabilidade da PUC-Campinas, Cibele Roberta Sugahara, Denise Helena Lombardo Ferreira e Bruna Angela Branchi, acompanharam duas experiências de ensino remoto com alunos com deficiência do curso de Administração da PUC-Campinas. “A pandemia revolucionou as nossas vidas pessoais e profissionais. Enquanto pesquisadores, já vínhamos trabalhando com a questão do processo de aprendizagem no contexto da educação a distância e com a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, então achamos interessante analisar melhor os desafios que alunos com algum tipo de deficiência passaram a enfrentar neste período”, contou a professora Angela Branchi. A partir das análises realizadas elas publicaram um artigo na última edição do periódico eletrônico Fórum Ambiental da Alta Paulista.
No Brasil, de acordo com o Censo da Educação Superior (INEP, 2019), aproximadamente 47 mil pessoas com deficiência estão matriculadas no ensino superior, das quais 35% têm problemas de visão, 35% algum tipo de deficiência física e 9% algum tipo de deficiência intelectual (INEP, 2019). “A falta ou dificuldade de obtenção de apoios qualificados, os entraves ao acesso às tecnologias da informação, que vão desde a disponibilização do serviço de internet à aprendizagem de software específico, bem como a indisponibilidade de materiais didáticos acessíveis, constituem entraves a ambientes de aprendizagem inclusivos”, escreveram as pesquisadoras. “É necessário reconstruir novas atitudes que acomodem temporariamente a ausência de interações face a face para fomentar o processo de ensino e aprendizagem”, afirmaram elas.
Esta foi a proposta para uma aluna com visão prejudicada da disciplina Matemática Aplicada e para um aluno com deficiência intelectual do curso Projeto de Trabalho de Curso. “A heterogeneidade das deficiências é um dos principais desafios no contexto do ensino remoto, porque elas requerem ações diferenciadas”, afirmou Bruna. “Por isso, o serviço de apoio institucional, o compromisso do docente e a colaboração dos colegas, especialmente dos alunos monitores, são fundamentais no ensino remoto. Os dois exemplos que mostramos no artigo, aluno com deficiência visual e outro com deficiência intelectual ilustram isso claramente”, pontuou.
Diálogo e adaptação – O ensino da matemática traz desafios específicos para alunos com visão prejudicada porque esta disciplina lida com conceitos abstratos. Não é possível, por exemplo, usar gráficos. “Vimos que precisaríamos de um olhar diferente no processo ensino-aprendizagem”, explicaram as professoras da PUC-Campinas. Dentre as estratégias adotadas, foram realizadas diversas reuniões com a aluna, a professora e com profissionais da área que prestam apoio pedagógico no sentido de definir o formato das atividades a serem realizadas. Além disso, havia uma monitora, graduanda em Matemática, para assistir a aluna nas atividades rotineiras da disciplina. Ao longo do semestre mais reuniões foram necessárias, algumas vezes com a professora e a equipe pedagógica, outras vezes com a aluna e a professora e também com a monitora e a professora. “Estas reuniões foram de extrema relevância para a compreensão das dificuldades pela aluna e para o direcionamento das atividades, confirmando a importância de estreitar as relações entre alunos e docente no ambiente de ensino remoto”, explicaram as pesquisadoras da PUC-Campinas. Esta interação mais próxima permitiu, por exemplo, identificar lacunas em conteúdos matemáticos. No entanto, o envolvimento tanto dos alunos monitores quanto dos professores, permitiu o entendimento e aprendizagem dos conceitos matemáticos por parte da aluna e fazer a transição para problemas reais relacionados à área de Administração e Economia.
Já a disciplina de Projeto de Trabalho de Curso pressupõe que o aluno tenha autonomia para delimitar um tema e, a partir dele, elaborar um projeto condizente com os conhecimentos adquiridos ao longo do curso de Administração. No entanto, entre as principais limitações da pessoa com deficiência intelectual estão as habilidades de leitura e abstração o que compromete a construção de sentido. De acordo com as pesquisadoras, a estratégia adotada foi a elaboração de textos mais curtos pelo aluno, complementados por reuniões onde ele fazia a leitura destes textos e explicava oralmente seu entendimento. Essa prática foi seguida ao longo do semestre, mas sempre acompanhada de atividades orientadas de reforço semanais, junto ao programa de apoio institucional do qual o aluno participava com grande assiduidade e entusiasmo. “Isso possibilitou que a professora, ainda de forma limitada por conta da limitação cognitiva, pudesse trabalhar de forma parcial a delegação de responsabilidade sobre a aprendizagem”, descreveram as professoras no artigo.
Para Bruna, dois elementos foram essenciais no processo de inclusão dos alunos do curso de Administração da PUC-Campinas. Em primeiro lugar, o serviço de apoio institucional (ProAcess) que, segundo ela, está desenvolvendo um trabalho excelente com os alunos da PUC-Campinas e com os docentes. “Para os docentes é importante receber orientações para colaborar na aprendizagem e autonomia das PCDs, orientações e suporte que são ainda mais importantes no ensino remoto”, afirmou. Em segundo lugar, a disponibilidade dos docentes em rever as dinâmicas de ensino para que este seja de fato inclusivo.