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Pesquisadoras da PUC-Campinas avaliam impacto de iniciativas de mulheres durante a pandemia

Lideranças femininas realizaram ações em assentamentos voltadas ao combate à pandemia

A famosa frase “Mulheres e crianças primeiro” é um código de conduta informal que dita que mulheres e crianças deveriam ser salvas primeiro em situações que ameaçam a vida. No caso das mulheres, especialmente, as mais vulneráveis, a pandemia de Covid-19 parece inverter esta lógica. Foram elas as primeiras a perderem os empregos, impacto ainda maior entre as mulheres negras e pardas. Também aumentaram os casos de violência doméstica contra mulheres e boa parte delas teve carga de trabalho aumentada, acumulando tarefas domésticas, de cuidado e de geração de renda.

A professora do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da PUC-Campinas, Patrícia Rodrigues Samora, e a doutoranda Julia Lopes da Silva, investigaram experiências lideradas por mulheres para combater a disseminação da pandemia e seus efeitos na Vila Moscou e do Parque Oziel, dois assentamentos informais da cidade de Campinas. Segundo elas, a escuta das mulheres e o envolvimento comunitário podem tornar políticas e planos de gestão de desastres mais eficazes e minimizar as vulnerabilidades urbano-ambientais vivenciadas pela população.

De acordo com elas, a vulnerabilidade feminina a desastres está associada a aspectos objetivos, como condições precárias de moradia e de infraestrutura urbana, mas também se fundamenta em variáveis econômicas e socioculturais, como empregos informais e mal remunerados, falta de representatividade, violência de gênero e divisão sexual do trabalho. “Muitos autores relacionam a vulnerabilidade das mulheres com a “injustiça ambiental”, ou seja, a constatação de que sobre grupos historicamente subalternizados recai a maior parte dos riscos ambientais. Nesse contexto, é fundamental salientar as intersecções entre variáveis de gênero, etnia e classe, já que as mulheres negras e periféricas são as principais afetadas por eventos extremos no contexto brasileiro”, explicam Patricia e Julia. “Mesmo assim, vimos surgir diversas iniciativas de base popular, muitas lideradas por mulheres, tanto para ajudar a limitar a disseminação do vírus, quanto para combater os efeitos da pandemia, deixando evidente a força da população na resposta ao desastre”, contaram as pesquisadoras.

Insurgir

Na Vila Moscou, ocupação que teve início ainda na década de 1970, localizada à margem esquerda do Ribeirão Anhumas, a líder comunitária, Cássia, relatou para as pesquisadoras que os efeitos da pandemia são mais intensos para as mulheres porque muitas mulheres precisam combinar o trabalho doméstico, a criação dos filhos e o desempenho de atividade remunerada. Ainda segundo ela, as perdas econômicas foram muito significativas para os moradores da Vila. “Percebemos um aumento de 20% nos casos de queimaduras porque muitas pessoas passaram a utilizar lenha para cozinhar porque não conseguem comprar o botijão de gás”, contou Cássia que organizou uma série de ações na comunidade para combater o vírus e a fome. Foram instaladas pias comunitárias e disponibilizado detergente para lavagem das mãos e álcool em gel. Um grupo de mulheres da comunidade passou a costurar máscaras que foram doadas à população.

Por fim, a comunidade elaborou e distribuiu folders informativos para conscientização de toda a população local sobre as medidas de segurança contra o vírus. Para combater a fome na comunidade, efeito mais urgente da pandemia, por conta das perdas econômicas dos moradores, foram feitas parcerias com diversas empresas e entidades – incluindo a PUC-Campinas – para doação de alimentos. Para as pesquisadoras, as ações organizadas na Vila Moscou são exemplos de práticas insurgentes, na medida em que contestaram as condições adversas impostas pela pandemia por meio da articulação de propostas alternativas surgidas da auto-organização da comunidade. Planejamento insurgente é um conceito cunhado pelo antropólogo norte-americano James Holston para denominar práticas contra hegemônicas, transgressivas, imaginativas e baseadas em ações de auto-organização da população.

ReExistência

Outro exemplo neste sentido aconteceu no Parque Oziel, assentamento localizado às margens da Rodovia Santos Dumont, cuja ocupação teve início em 1997. Hoje sua população chega a 80 mil pessoas. Ali, Andrea começou o projeto “ReExistência é viver” para ajudar famílias vulneráveis do bairro, muitas delas vivendo sem saneamento básico, energia, água encanada, muito menos acesso à internet para se cadastrar em programas sociais ou acessar informações sobre a pandemia. Por meio de uma parceria com a CUFA (Central Única das Favelas), Andrea passou a arrecadar recursos para comprar cestas básicas, produtos de higiene, botijões de gás e leite. Foram distribuídas mais de seis mil máscaras e folders informativos.

Além dos impactos diretos da ação, de acordo com a Andrea, diversas mulheres da região estão se organizando para iniciar seu negócio próprio para alcançar independência financeira. Um exemplo disso foi a criação de uma associação de costureiras do bairro. De acordo com as pesquisadoras da PUC, se destaca na fala de Andrea a percepção sobre a importância de estimular a emancipação financeira das mulheres e de que o assistencialismo tem que ser acompanhado de outras iniciativas como vagas em creches e escolas, atendimento médico de qualidade e internet gratuita. Andrea demonstra ainda clareza sobre a diversidade de situações e graus de vulnerabilidade presentes no contexto do Parque Oziel. “Ou seja, a escuta das comunidades permite apontar as imprecisões e os limites do conhecimento técnico e, assim, reorientar a atuação institucional de forma contextualizada, o que possibilita a adoção de ações mais efetivas”, disseram Patricia e Julia.

A participação feminina nos movimentos populares não é novidade. A diferença aqui, traduzida em uma das conclusões do estudo, é que no caso destes assentamentos populares informais, esta participação possibilita encontrar melhores soluções para os problemas enfrentados nestas comunidades. E isso ocorre por algumas razões específicas. “Mulheres possuem maior clareza sobre as necessidades familiares e os limites dos equipamentos públicos de suas comunidades, sendo frequentemente lideranças comunitárias e responsáveis por outros grupos, como crianças, idosos e pessoas com deficiência”, afirmaram as pesquisadoras. De uma certa maneira, elas acabam subvertendo o código “mulheres e crianças primeiro” e se prontificam mais rapidamente diante de situações não previstas. “Em momentos de desastres, elas acabam se inserindo politicamente, por uma necessidade e propõem respostas menos personalistas e mais comunitárias para os problemas”, pontua a professora da PUC-Campinas, Patricia Samora.

Por isso, segundo as pesquisadoras, a participação, a percepção e as necessidades femininas não são garantidas nas respostas institucionais aos desastres, os diagnósticos das vulnerabilidades e as soluções propostas serão inadequados, pois não captarão as reais necessidades comunitárias nem compreenderão grande parte do que ocorre no cotidiano de determinada população.

Por Patrícia Mariuzzo



Marcelo Andriotti
25 de novembro de 2021