Primeira infância: uma fase de desafios
Professores da PUC-Campinas avaliam a fase do “apogeu” do desenvolvimento físico, mental, cognitivo e social
Por Sílvia Perez
Quem nunca ouviu alguém dizer que as crianças são como “esponjas”, que aprendem tudo ao seu redor com grande velocidade? Pois é, esse “conhecimento” popular carrega muitas verdades, já que a primeira infância − período que, para alguns especialistas, vai de 0 a 3 anos e, para outros, de 0 a 6 anos − gera repercussões profundas que a pessoa carregará por toda a vida.
Os avanços da ciência já revelaram que as conexões cerebrais formadas na primeira infância são a base forte ou fraca para novas conexões que serão formadas no futuro. E a importância dessa fase da vida não para por aí, a saúde física e mental, as habilidades cognitivas e sociais desenvolvidas neste período estarão presentes na vida escolar, profissional e social de cada pessoa.
De acordo com o Prof. Dr. Alexandre César Santos Rezende, da Faculdade de Ciências Biológicas da PUC-Campinas, desde a vida embrionária, os neurônios têm uma capacidade altíssima de plasticidade, ou seja, de se conectarem. “Uma criança nasce com um cérebro de 400 gramas em média e esse cérebro vai crescer até os 12 anos e chegar ao peso de cerca de 1 quilo e 200 gramas. A massa aumenta porque, à medida que a criança vai recebendo os diversos estímulos visuais, auditivos, táteis, gustativos, olfativos, que são os sentidos básicos que nós temos, os neurônios começam a se ramificar e vão aumentando as conexões entre eles e é isso que caracteriza o aprendizado sensorial”, explica.
Rezende afirma que a estrutura das pessoas é baseada em estímulos, principalmente motores, então brincar e interagir com o ambiente é fundamental para o desenvolvimento. A Profa. Me. Maria Valéria Corrêa e Castro Campomori, docente da Faculdade de Fisioterapia da PUC-Campinas, explica que, na Neuropediatria, o desenvolvimento infantil ocorre por meio dos chamados “marcos motores”, isto é, de três em três meses de idade até os 12 meses, fases em que devem estar presentes as principais etapas motoras, compostas pelas aquisições mais importantes pelas quais a criança já passou. “De 0 a 12 meses, se desenvolvem as etapas fundamentais e necessárias para o adequado desenvolvimento motor e crescimento infantil, período este conhecido por “apogeu do desenvolvimento”. A partir dos 13 meses até os 6 anos, uma criança com seu desenvolvimento normal, aprimorará etapas e habilidades motoras aprendidas e treinadas desde o período do apogeu, bem como em cada faixa etária (2, 3 anos, e assim por diante), integralizando todos os sentidos (visão, tato, audição, etc.), considerando a forte influência do meio familiar, ambiental, afetivo, escolar e social no seu desenvolvimento”, detalha.
A influência do meio familiar se mostra importante em diversas fases da vida, mas, na primeira infância, aparece como um fator fundamental, afinal, ela será a base do ser humano, os pilares que seguirão para o resto da vida, como a afetividade, a ética e as relações sociais. Segundo a Profa. Dra. Rita Maria Majaterra Khater, da Faculdade de Psicologia da PUC-Campinas, é nessa fase em que os valores da família começam a ser passados. “Você não tem um adulto afetuoso se ele não recebeu isso na infância. A porta de entrada de todo o desenvolvimento das relações interpessoais está na base afetiva, no acolhimento, para que essa criança tenha uma independência de ser”, diz.
Além da família, Rita acrescenta que, além dos pais ou responsáveis, o meio educacional deve corresponder ou estar alinhado aos valores da família para que a criança tenha uma boa autoimagem e, consequentemente, um bom desenvolvimento. “Depois que você deu a base, você pode estimular de diversas formas, tanto educacional, como esportiva, e assim por diante. É importante ressaltar que cada criança é única e que a gente deve perceber as preferências dessa criança e respeitá-las”, reforça.
A Profa. Dra. Jussara Cristina Barboza Tortella, do Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC-Campinas, também defende a valorização das interações entre a criança e o adulto. “A criança vai se desenvolver cognitivamente, afetivamente e socialmente a partir das interações que estabelece com os adultos, professores, demais profissionais e também com outras crianças. O aprendizado nessa faixa etária se dá por diferentes linguagens e brincadeiras”, comenta.
A educadora detalha que, no ambiente escolar, em alguns casos, ainda é preciso superar desafios como: a formação adequada para os profissionais que realizam esse tipo de atendimento, estrutura física que atenda às necessidades dessa faixa etária e uma boa interlocução com os familiares. “A falta de um ambiente solicitador pode comprometer o desenvolvimento da criança, então, aquilo que ela poderia desenvolver em vários aspectos cognitivos e sociais fica prejudicado”, explica.
Os cuidados com o ambiente também devem ser tomados dentro de casa e é preciso ficar atento aos hábitos da vida moderna refletivos na primeira infância, como o uso excessivo de equipamentos eletrônicos, como televisores, tablets e celulares. O Prof. Dr. Alexandre César Santos Rezende alerta que o costume pode gerar dificuldades no futuro. “Fazer menos atividades motoras do que deveriam ser feitas com a criança normalmente, acarreta no futuro o não desenvolvimento de regiões como, por exemplo, a cintura escapular − a parte de conexão com nossos braços e a cintura pélvica −, que é a conexão com as nossas pernas. Se elas não se desenvolvem de modo adequado, a criança vai se incomodar em ficar sentada, por exemplo, o que dá hiperatividade, falta de atenção, ou seja, a atividade motora na infância, estímulos de raciocínio e brincadeiras são extremamente importantes para o desenvolvimento”, reforça.
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