Professor analisa coronavírus em relação a outras epidemias históricas
Historiador avalia que epidemia expõe fragilidades do sistema político e econômico
A pandemia do coronavírus está entrando para a história na lista das grandes epidemias que marcaram a humanidade, como a peste bubônica, a febre amarela e a gripe espanhola. E pode causar muitas mudanças na sociedade, tanto nas questões sanitárias quanto nas econômicas, sociais e políticas. Mas somente mudanças profundas poderão deixar o planeta mais preparado futuramente para uma nova pandemia.
O Prof. Dr. Lindener Pareto Júnior, da Faculdade de História da PUC-Campinas, diz que a pandemia do coronavírus está expondo não só fragilidades sanitárias e de saúde, mas principalmente a do atual sistema político e econômico. “Os mercados conectados, visando a seus próprios lucros, mostraram que não têm envergadura moral e material para dar conta de uma crise de saúde pública como essa”, diz.
Ele analisa que, para resolver o problema da economia, dos mercados, dos bancos e da renda da população em geral, quem defendia o estado mínimo agora diz que só o estado pode salvar.
“Governos liberais como o norte-americano, o francês, o inglês, alemão, que estavam com política de austeridade e desmonte do bem-estar social, estão fazendo exatamente o contrário agora, com pacotes de ajuda urgente para todos os setores da economia e para os trabalhadores. Até no Brasil, com os projetos de ajuda aos trabalhadores informais e pequenas empresas, o discurso mudou”, afirma.
“O que ficou claro é que é preciso injetar dinheiro público, abrir novas frentes de trabalho, mais ou menos como ocorreu com o New Deal de Roosevelt após a Grande Depressão”, avalia.
Papa Francisco
“O nosso modo de organização econômica e social se mostra incompetente para dar uma nova alternativa de futuro. Que seja ecossocial, da ecologia integral, como divulgou o Papa Francisco na carta encíclica Laudato si”, diz o professor. Nessa encíclica, o Papa condena a incessante exploração e destruição do ambiente, responsabilizando a apatia, a procura de lucro de forma irresponsável, a crença excessiva na tecnologia e a falta de visão política.
“Ou agora a gente cria uma alternativa de futuro que passe pela preservação da natureza e utilização sustentável dela ou é questão de quando um novo vírus pior vai aparecer e acabar com toda a humanidade”, avalia.
“N0 livro A Peste, de Alberto Camus, de1947, ele diz que se a peste vem e não toca o coração dos homens, um dia ela volta, talvez de forma definitiva”, cita.
Globalização
“Por que, depois de tantas epidemias, agora um vírus, que aparentemente foi transmitido de um morcego para humanos na China, está causando tanta comoção mundial, com discursos emocionados de estadistas?”, questiona Lindener.
E explica o motivo, lembrando que estamos vivendo uma época de globalização, com os mercados conectados em todo o mundo, com aviões, navios e circulação de pessoas e mercadorias por todos os países. Isso também facilitou a disseminação rápida do vírus.
Mas a transmissão entre países e continentes causando mortes em massa não é novidade. “Quando os europeus vieram para as Américas, mataram milhões de indígenas com a varíola e gripe comum, pois os nativos não estavam imunizados”, lembra.
A peste bubônica, disseminada pelo rato e pela falta de sistemas sanitários eficientes no século XIV, matou entre 25 e 30 milhões de pessoas. A gripe espanhola, que não começou na Espanha, mas ganhou esse nome por ter sido amplamente divulgada primeiro lá, matou mais de 50 milhões de pessoas no final da Primeira Guerra Mundial.
A febre amarela, no final do século XIX, matou mais de 3% da população de Campinas e provocou uma fuga em massa para outras cidades, causando uma desordem econômica e social sem precedentes.
Essas epidemias fizeram com que autoridades de todo o mundo mudassem sistemas sanitários, bem como implementassem a legislação voltada à área de saúde, os investimentos em ciência e o desenvolvimento de vacinas etc.